Um grupo de pesquisadores da Espanha construiu a réplica de uma gruta sagrada perdida há mais de 60 anos, quando foi feita uma demarcação de terra no Território Indígena Batovi, localizada no Alto Xingu, a 717 km de Cuiabá, em 1961. A cópia, que pesa cerca de uma tonelada, foi instalada no mesmo local que antes ficava a gruta sagrada.
A gruta original do Kamakuaká, como é chamada, é um local considerado sagrado pelo povo Waurá. Atualmente, ela está dentro de uma fazenda a 30 km de distância do território indígena e tem acesso restrito e controlado, mesmo tendo sido tombada como patrimônio histórico e artístico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ela também foi parcialmente destruída em 2018.
De acordo com a gerente de comunicação e projetos indígenas e climáticos da ONG People Palace Projects, Yula Rocha, o trabalho começou a partir de uma parceria entre a ONG e a Fundação Espanhola Factum. A réplica foi construída em Madrid por cerca de um ano, depois foi para Porto de Santos (SP) e, depois, de caminhão até o Alto Xingu, onde foi montada.
“Foi um trabalho de muito tempo, pesquisa, recuperação da memória coletiva, da história indigena, da história ancestral brasileira até chegar ao que vocês veem agora da gruta em tamanho real”, disse Yula.
A construção
Para que a réplica existisse, o que sobrou da gruta original, foi escaneado em três dimensões (3D). Também foram recuperadas fotos antigas tiradas por antropólogos, indígenas e colaboradores. Todo esse material foi necessário para reproduzir a gruta e as gravuras rupestres.
Para o superintendente do Iphan, Fernando Medeiros, um dos desafios foi a impossibilidade de identificar os responsáveis pela destruição de parte da gruta.
“Qual o nosso problema nesse caso? Nós não conseguimos identificar quem causou danos ao bem”, explicou.
Em um esforço que demandou tempo e dedicação, a comunidade indígena Waurá, em colaboração com especialistas, conseguiu a reprodução em tamanho real da Gruta Kamukuaká.
O 'livro da cultura Waurá'
Cada elemento da réplica carrega significados profundos, funcionando como um "livro" da cultura Waurá. O cacique Akari explicou que “aqui, temos figuras que representam nossa vida cotidiana, como a fogueira onde assamos peixe e preparamos alimentos, além da nossa pintura corporal”.
Para o antropólogo americano Chris Ball, a construção da réplica representa um ato de resistência. Ele enfatizou que “a gruta é muito importante para os Waurá e para todos os povos do alto Xingu. Com a ameaça de vandalismo e por estar fora do parque, é fundamental ter essa réplica aqui”.
A nova estrutura agora serve como um ponto de encontro para a transmissão de conhecimentos, assegurando que as histórias e tradições dos Waurá sejam perpetuadas para as futuras gerações. Os escultores que participaram da obra enfrentaram o desafio de reproduzir detalhes complexos e interpretações diversas, ressaltando o valor cultural da gruta na identidade indígena.